Culpa in
Contrahendo e Obrigação de Indemnizar
Antes de mais, deve ser
feita uma breve explicação sobre o conceito de culpa in contrahendo. Apesar de não ter sido uma descoberta
absoluta de Jhering, foi ele quem mais desenvolveu o tema. Numa relação
pré-contratual, a lei impõe regras de conduta que ambas as partes têm que observar,
mesmo não tendo ainda ocorrido qualquer negociação formal sobre o contrato. Na
sequência dessa conduta considerada ideal as partes estão vinculadas a comportarem-se
de boa-fé, tendo em conta deveres de protecção, esclarecimento e lealdade que
cada uma deve respeitar.
Dos deveres de
protecção inferimos que as partes devem fazer os possíveis para não causar
gastos desnecessários ou danos à outra parte. Os gastos ou custos que as partes
podem eventualmente ter, apenas, para o que aqui interessa, terão origem na
fase pré-contratual, e corresponderão a gastos com estudos de mercado,
orçamentos,… Qualquer gasto pós-contratual não faz parte dos cálculos para uma
possível indemnização de culpa in
contrahendo. O famoso caso da senhora que, após ter celebrado um contrato de
compra e venda numa loja de tapetes, teve a infelicidade de lhe cair um tapete
de linóleo em cima, causando-lhe danos na sua integridade física e na de quem a
acompanhava, não é considerado culpa in
contrahendo, visto o contrato já ter sido celebrado.
Nos deveres de
esclarecimento está patenteada a obrigação de que as partes sejam transparentes
e verdadeiras em relação à informação que partilham entre si, isto é, não é
lícito prestar informações falsas que, eventualmente, deixem em erro a outra
parte. Não é também permitido, tendo o conhecimento que uma das partes se
encontra em erro, que o contrato seja celebrado sem que ocorra o devido
esclarecimento. Esclarecimento esse que não tem de ser exaustivo ao ponto de as
partes serem obrigadas a apresentar outras oportunidades de negócio mais
propícias à contraparte. Há que ressalvar um certo egoísmo de ambos os
contraentes.
Por fim, temos os
deveres de lealdade, que não são mais do que um somatório dos deveres de
protecção e esclarecimento. Na fase pré-contratual, as partes devem manter-se
fiéis às suas promessas e às suas acções, isto é, não devem demonstrar vontade
de contratar caso não seja essa a sua intenção.
Tudo isto se encontra
consagrado no art. 227º do CC, o qual vincula as partes de um contrato a agirem
segundo os ideais da boa-fé.
No caso de um contrato
ser celebrado sob conduta danosa, a parte que tirou proveito dessa situação
deve indemnizar a parte lesada. Existem dois tipos de indemnização a aplicar na
cic, consoante o âmbito que se
considere dever atribuir ao dano e à sua reparação:
- a relativa ao
interesse contratual negativo;
- a relativa ao
interesse contratual positivo.
No primeiro caso, em
que abrange o interesse contratual negativo, a indemnização é referente a todos
os gastos que a parte lesada não teria tido caso o contrato não se tivesse
realizado ou a negociação não se tivesse iniciado, ou seja, é necessário
ressarcir a mesma de todos os gastos que teve relativamente às negociações.
Este tipo de indemnização encontra-se tipificado nos arts. 562º e 798º do CC. No
segundo caso a indemnização é avaliada através da consideração do contrato como
se este tivesse sido celebrado sem cic,
isto é, uma indeminização no valor de uma oportunidade de negócio, dita ‘chance’, que o lesado poderia ter
celebrado. Este âmbito encontra-se consagrado no art. 564º/1.
Segundo o Professor
Menezes Cordeiro, a jurisprudência cinge-se, normalmente, à indemnização
negativa, pois defende que o que há para ser indemnizado é abrangido por esta
indemnização. Foi Jhering que nos trouxe até aqui quando demonstrou que num
contrato nulo, verificando-se cic,
ocorrem danos cujo não ressarcimento é injusto.
No caso da casca de
banana, a indemnização por danos à integridade física não seria suficiente uma
vez que não iria cobrir toda a realidade de perda, isto é, a parte lesada não
pôde contratar com o estabelecimento devido à queda. O facto de não ter
celebrado o negócio para o qual se dirigiu até ali é também um dano que deve
ser ressarcido e que não se encontra incluído na indemnização por danos à
integridade física.
Posto isto, chegamos ao
impasse em que a doutrina se encontra desde há largos anos: a culpa in contrahendo deve ser
considerada responsabilidade civil aquiliana, mais comummente referida como
responsabilidade extra-contratual, ou antes ser considerada responsabilidade
civil contratual?
Após ter finalizado o
estudo sobre a matéria, não consegui perceber qual é a posição adoptada pelo
Professor Pedro Pais de Vasconcelos. O Professor faz referência à cic e refere que há contratos que podem ter
sido celebrados sob conduta danosa e mesmo assim serem considerados válidos.
Nestes casos “deve haver lugar a responsabilidade civil.”[1] Já
o Professor Menezes Cordeiro defende que a culpa
in contrahendo deve ser considerada responsabilidade contratual,
baseando-se na doutrina alemã.
Imagine-se o seguinte
caso:
‘A’ e ‘B’ encontram-se
na fase negocial de um contrato de compra e venda. ‘A’ quer vender um automóvel
a ‘B’ por 30.000€ e ‘B’ está efectivamente interessado em celebrar o negócio.
Então ‘B’ celebra um contrato de mútuo com um banco, a fim de ter dinheiro
suficiente para a compra do automóvel. No momento de finalizar o contrato de
compra e venda entre ‘A’ e ‘B’, ‘A’ diz que não é o proprietário do veículo e,
portanto, o contrato não se celebra. ‘A’ violou os deveres de boa fé, nomeadamente
o de esclarecimento, dando informações erradas e o de lealdade, visto não ter
intenções de contratar (art. 227º CC). ‘A’, por força do art. 483º/1 CC, tem
que ser responsabilizado no âmbito extra-contratual, visto não ter observado os
deveres de boa-fé tipificados na lei. A doutrina alemã considera que, devido à
relação de proximidade negocial entre as partes, ‘A’ deve ser responsabilizado
no domínio contratual. No fim de contas, foi a vontade das partes em contratar
que levou ‘A’ a violar a honestae agere.
Será isso justificação
suficiente para que a culpa in
contrahendo seja de natureza contratual? Mesmo que num contrato esteja
especificada uma cláusula que venha a ser violada no decorrer da fase de
negociações, vai ser sempre considerada violação da lei, pois qualquer violação
possível num contrato, é sempre violação dos princípios da boa fé, tipificados
no art. 227º do CC. Por outro lado, se considerarmos o art. 227º como base
fundamental do negócio jurídico, sendo necessário que os seus preceitos sejam
observados para ser possível a contratação, então a violação do mesmo pode ser
interpretada como violação do contrato. Nesse caso, consideraremos que a responsabilidade
civil tem natureza contratual.
[1] Pedro
Pais Vasconcelos, Teoria Geral do Direito
Civil, pág. 495.
Trabalho da minha autoria para a cadeira de Teoria Geral do Direito Civil
Trabalho da minha autoria para a cadeira de Teoria Geral do Direito Civil