Thursday, June 19, 2014

Culpa in contrahendo e Obrigação de Indemnizar

Culpa in Contrahendo e Obrigação de Indemnizar

Antes de mais, deve ser feita uma breve explicação sobre o conceito de culpa in contrahendo. Apesar de não ter sido uma descoberta absoluta de Jhering, foi ele quem mais desenvolveu o tema. Numa relação pré-contratual, a lei impõe regras de conduta que ambas as partes têm que observar, mesmo não tendo ainda ocorrido qualquer negociação formal sobre o contrato. Na sequência dessa conduta considerada ideal as partes estão vinculadas a comportarem-se de boa-fé, tendo em conta deveres de protecção, esclarecimento e lealdade que cada uma deve respeitar.
Dos deveres de protecção inferimos que as partes devem fazer os possíveis para não causar gastos desnecessários ou danos à outra parte. Os gastos ou custos que as partes podem eventualmente ter, apenas, para o que aqui interessa, terão origem na fase pré-contratual, e corresponderão a gastos com estudos de mercado, orçamentos,… Qualquer gasto pós-contratual não faz parte dos cálculos para uma possível indemnização de culpa in contrahendo. O famoso caso da senhora que, após ter celebrado um contrato de compra e venda numa loja de tapetes, teve a infelicidade de lhe cair um tapete de linóleo em cima, causando-lhe danos na sua integridade física e na de quem a acompanhava, não é considerado culpa in contrahendo, visto o contrato já ter sido celebrado.
Nos deveres de esclarecimento está patenteada a obrigação de que as partes sejam transparentes e verdadeiras em relação à informação que partilham entre si, isto é, não é lícito prestar informações falsas que, eventualmente, deixem em erro a outra parte. Não é também permitido, tendo o conhecimento que uma das partes se encontra em erro, que o contrato seja celebrado sem que ocorra o devido esclarecimento. Esclarecimento esse que não tem de ser exaustivo ao ponto de as partes serem obrigadas a apresentar outras oportunidades de negócio mais propícias à contraparte. Há que ressalvar um certo egoísmo de ambos os contraentes.

Por fim, temos os deveres de lealdade, que não são mais do que um somatório dos deveres de protecção e esclarecimento. Na fase pré-contratual, as partes devem manter-se fiéis às suas promessas e às suas acções, isto é, não devem demonstrar vontade de contratar caso não seja essa a sua intenção.
Tudo isto se encontra consagrado no art. 227º do CC, o qual vincula as partes de um contrato a agirem segundo os ideais da boa-fé.
No caso de um contrato ser celebrado sob conduta danosa, a parte que tirou proveito dessa situação deve indemnizar a parte lesada. Existem dois tipos de indemnização a aplicar na cic, consoante o âmbito que se considere dever atribuir ao dano e à sua reparação:
- a relativa ao interesse contratual negativo;
- a relativa ao interesse contratual positivo.
No primeiro caso, em que abrange o interesse contratual negativo, a indemnização é referente a todos os gastos que a parte lesada não teria tido caso o contrato não se tivesse realizado ou a negociação não se tivesse iniciado, ou seja, é necessário ressarcir a mesma de todos os gastos que teve relativamente às negociações. Este tipo de indemnização encontra-se tipificado nos arts. 562º e 798º do CC. No segundo caso a indemnização é avaliada através da consideração do contrato como se este tivesse sido celebrado sem cic, isto é, uma indeminização no valor de uma oportunidade de negócio, dita ‘chance’, que o lesado poderia ter celebrado. Este âmbito encontra-se consagrado no art. 564º/1.
Segundo o Professor Menezes Cordeiro, a jurisprudência cinge-se, normalmente, à indemnização negativa, pois defende que o que há para ser indemnizado é abrangido por esta indemnização. Foi Jhering que nos trouxe até aqui quando demonstrou que num contrato nulo, verificando-se cic, ocorrem danos cujo não ressarcimento é injusto.
No caso da casca de banana, a indemnização por danos à integridade física não seria suficiente uma vez que não iria cobrir toda a realidade de perda, isto é, a parte lesada não pôde contratar com o estabelecimento devido à queda. O facto de não ter celebrado o negócio para o qual se dirigiu até ali é também um dano que deve ser ressarcido e que não se encontra incluído na indemnização por danos à integridade física.
Posto isto, chegamos ao impasse em que a doutrina se encontra desde há largos anos: a culpa in contrahendo deve ser considerada responsabilidade civil aquiliana, mais comummente referida como responsabilidade extra-contratual, ou antes ser considerada responsabilidade civil contratual?
Após ter finalizado o estudo sobre a matéria, não consegui perceber qual é a posição adoptada pelo Professor Pedro Pais de Vasconcelos. O Professor faz referência à cic e refere que há contratos que podem ter sido celebrados sob conduta danosa e mesmo assim serem considerados válidos. Nestes casos “deve haver lugar a responsabilidade civil.”[1] Já o Professor Menezes Cordeiro defende que a culpa in contrahendo deve ser considerada responsabilidade contratual, baseando-se na doutrina alemã.
Imagine-se o seguinte caso:
‘A’ e ‘B’ encontram-se na fase negocial de um contrato de compra e venda. ‘A’ quer vender um automóvel a ‘B’ por 30.000€ e ‘B’ está efectivamente interessado em celebrar o negócio. Então ‘B’ celebra um contrato de mútuo com um banco, a fim de ter dinheiro suficiente para a compra do automóvel. No momento de finalizar o contrato de compra e venda entre ‘A’ e ‘B’, ‘A’ diz que não é o proprietário do veículo e, portanto, o contrato não se celebra. ‘A’ violou os deveres de boa fé, nomeadamente o de esclarecimento, dando informações erradas e o de lealdade, visto não ter intenções de contratar (art. 227º CC). ‘A’, por força do art. 483º/1 CC, tem que ser responsabilizado no âmbito extra-contratual, visto não ter observado os deveres de boa-fé tipificados na lei. A doutrina alemã considera que, devido à relação de proximidade negocial entre as partes, ‘A’ deve ser responsabilizado no domínio contratual. No fim de contas, foi a vontade das partes em contratar que levou ‘A’ a violar a honestae agere.
Será isso justificação suficiente para que a culpa in contrahendo seja de natureza contratual? Mesmo que num contrato esteja especificada uma cláusula que venha a ser violada no decorrer da fase de negociações, vai ser sempre considerada violação da lei, pois qualquer violação possível num contrato, é sempre violação dos princípios da boa fé, tipificados no art. 227º do CC. Por outro lado, se considerarmos o art. 227º como base fundamental do negócio jurídico, sendo necessário que os seus preceitos sejam observados para ser possível a contratação, então a violação do mesmo pode ser interpretada como violação do contrato. Nesse caso, consideraremos que a responsabilidade civil tem natureza contratual.




[1] Pedro Pais Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 495.



Trabalho da minha autoria para a cadeira de Teoria Geral do Direito Civil

Tuesday, December 17, 2013

'No ought from an is'

    Tenho teste a introdução ao estudo de direito nesta quinta feira e deparo-me ainda com uma série de dúvidas. Em primeiro lugar: há alguma tese/definição geral de positivismo jurídico? Cada autor defende a sua, e na minha cabeça já vai um 'baralhanço' total. Em relação a ser, e dever ser então nem se fala. A pequena definição que restringe 'dever ser' a válido ou inválido, sendo uma função comunicativa, e verdadeiro ou falso em relação a 'ser' pois tem uma função descritiva, susceptível a avaliação, está percebida. E o resto?
    "Fontes de Direito" pfff. Antes de entrar para a faculdade, se me perguntassem o que é uma fonte de direito, diria que era alguém que percebia tanto de direito que o brotava para fora, como uma fonte. Isto é muito complicado...

Sunday, December 1, 2013

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Tuesday, November 26, 2013

A Torto e/é a Direito

    Ao fim de 2 meses e 10 dias no curso de Direito, 1º ano, sinto-me como o Sócrates (o grego, não o que nos pôs como os gregos): "Só sei que nada sei", mas o pouco que sei vou começar a partilhar aqui. Não respondo a dúvidas, primeiro porque não vai haver dúvidas e depois porque não vou saber responder... Mas, caso as tenham, exponham que eu fico a pensar nelas, pode ser que me dê algum rasgo de inteligência e me saiba pronunciar sobre as mesmas. Isto vai ser um blog essencialmente para eu purgar o (pouco) conhecimento adquirido, de uma forma informal, de modo a que possa eventualmente ser uma leitura interessante para alguém que esteja por aí sem nada para fazer.
    Ora, vou um pouco atrasado no que toca às aulas teóricas, mas a Teoria Geral do Direito Civil vou começar 'As Coisas'. Ao que parece, é mais fácil se começarmos por ler o código civil, em relação aos artigos sobre 'as coisas' e só depois ler o manual... Assimilamos melhor a informação e conseguimos, imediatamente, estabelecer uma ligação prática entre a matéria e a praticabilidade da dita cuja... Segundo o art 212º nº 1, não podemos considerar os resultados do fim do semestre como fruto do nosso trabalho, pois "Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância." Ora, quem estiver empenhado para pelo menos tentar passar com as cadeiras feitas, está a prejudicar, e de que maneira, a sua integridade moral, caminhando para a demência a passos largos.
   Concluo assim o primeiro de muitos posts. Espero que quem conseguiu ler até esta linha, que tenha achado o blog promissor e que tenha vontade para um segundo post, que não tardará.

O Aprendiz de Jurista,

Vasco Portocarrero